Ascensão e queda do fordismo
Por Luís Antônio Paulino*
Quais as principais
transformações do sistema capitalista nos países desenvolvidos, e as
consequências para os países em desenvolvimento e América Latina?
O objetivo deste artigo é discutir as principais
transformações que o sistema de produção capitalista sofreu nas últimas três
décadas no âmbito dos países desenvolvidos e as principais consequências para
os países em desenvolvimento, em particular a América Latina.
Analisaremos na primeira parte do artigo
a ascensão e crise do fordismo, modelo de desenvolvimento que se desenvolveu
nos EUA na década de vinte e após a Segunda Guerra Mundial adquiriu
configuração mundial no mundo ocidental industrializado.
Na segunda parte, verificaremos qual a
resposta que os países desenvolvidos deram à crise deste modelo de
desenvolvimento. Destacaremos particularmente o processo de reestruturação
industrial ocorrido no âmbito das economias centrais e as principais
características do novo modelo em desenvolvimento.
Finalmente, discutiremos como essas
transformações repercutem no nível das economias centrais e as principais
características do novo modelo em desenvolvimento, e como essas transformações
repercutem no nível das economias periféricas e quais os possíveis cenários
delas decorrentes.
Em primeiro lugar, é necessário
definirmos as principais características deste modelo de desenvolvimento que
emergiu no pós-guerra nos países capitalistas centrais.
Uma vez adotada a perspectiva da escola
francesa da regulação, um modelo de desenvolvimento pode e deve ser analisado
sob três aspectos:
a) o paradigma tecnológico ou modelo de
industrialização;
b) o regime de acumulação; e
c) o modelo de regulação.
O paradigma tecnológico ou modelo de
industrialização diz respeito aos princípios que governam a evolução da
organização do trabalho.
É definido regime de acumulação como
“aquele modo de realocamento sistemático do produto que rege, num longo prazo,
uma certa adequação entre as transformações das condição de produção e as
transformações das condições de consumo.
Um tal regime de acumulação é dado por
um esquema de reprodução que descreve, período por período, a alocação do
trabalho social e a repartição dos produtos entre os diferentes departamentos
da produção”.
O regime de acumulação nos informa,
portanto, de um ponto de vista estático, de que modo o produto social gerado
num determinado período pelo processo humano é distribuído entre os diversos
agentes de econômicos e de um ponto de vista dinâmico, como os ganhos decorrentes
da elevação da produtividade do processo de trabalho são redistribuídos entre
esses mesmos agentes e são realocados no processo de produção.
Pode ser um regime de acumulação
extensivo ou intensivo. Ele é dito extensivo quando “a acumulação capitalista
é dedicada principalmente à expansão da produção, com normas produtivas
idênticas”, e é dito intensivo quando a acumulação capitalista é dedicada ao
“aprofundamento da reorganização capitalista de trabalho, geralmente no sentido
de uma maior produtividade e de um maior coeficiente de capital”. É intensivo,
portanto, na medida em que se baseia no aumento progressivo da produtividade e
taxa de capital fixo per capita.
Por modo de regulação se entende o
conjunto de normas, hábitos, procedimentos, instituições que agem como forças
coercitivas ou incentivadoras para que os agentes privados se conformem com
determinado regime de acumulação.
O fordismo encerra a revolução
taylorista ocorrida no início deste século nos EUA
Temos, portanto, que “o regime de acumulação
aparece como resultado macroeconômico do funcionamento de um modelo de
regulação, tendo por base um modelo de industrialização”.
Uma vez definidos os principais
parâmetros que devem nortear a análise de um determinado modelo de
desenvolvimento, passemos a analisar o fordismo de acordo com esses critérios.
No que se refere ao paradigma
tecnológico ou modelo de industrialização, podemos considerar que o fordismo
encerra a revolução taylorista que ocorreu no início do século.
O taylorismo baseava-se rigorosa
padronização de gestos operativos do trabalhador, de modo a encontrar a melhor
maneira de executar uma determinada operação. No fundo, tinha dois objetivos
principais: primeiro generalizar mais rapidamente o método de trabalho
aparentemente eficaz, elevando assim a produtividade do trabalho e, segundo,
através do conhecimento mais preciso do tempo de cada operação, controlar com
maior rigor o ritmo de trabalho dos operários.
É interessante notar que um dos aspectos
centrais do taylorismo é a expropriação que se faz do trabalhador da iniciativa
do trabalho. O antigo artesão detinha o Know-how do processo de trabalho. Era,
por assim dizer, o proprietário do conhecimento de como produzir determinada
mercadoria. Com o taylorismo, essa capacidade é subtraída ao trabalhador e
incorporada no processo de produção.
E no que o fordismo difere do taylorismo
enquanto paradigma tecnológico?
No fato de que no fordismo, “as próprias
normas são incorporadas no dispositivo automático da máquinas (o caso da linha
de montagem é típico) que dita a operação requerida e o tempo necessário para a
sua organização”.
Quanto ao regime de acumulação
característica do fordismo, podemos considerar que suas principais
características são a de um regime de acumulação intensiva (aumento da
produtividade e do capital fixo per capita) e baseado no consumo de massa.
Quanto ao primeiro aspecto é importante
notar que em fase áurea os ganhos de produtividade engendrados pelo fordismo
compensavam os investimentos em capital fixo, o que garantia, portanto, a
manutenção da taxa média de lucro dos capitalistas. É importante destacar esse
aspecto, pois, como veremos adiante, é por aí que o arcabouço do fordismo vai
começar a ruir.
Quanto ao segundo aspecto: consumo de
massa, podemos considerar como sendo, ao lado de seu paradigma industrial, o
segundo pilar do sucesso do regime fordista.
Na fase pré-fordista, a aplicação dos
princípios tayloristas no processo de trabalho engendrou ganhos de
produtividade que, ao serem incorporados aos salários, levaram à crise de
superprodução de 1930. A partir daí o capitalismo se pôs um problema, cuja
solução se deu no bojo de um agudo conflito de classes e nações. Pressionado,
de um lado, pela existência do campo socialista que oferecia aos trabalhadores
uma perspectiva que o capitalismo era incapaz de oferecer e, de outro, pela
suas próprias crises, o fordismo surge como um “achado”do capitalismo, como um
novo modelo de desenvolvimento cuja principal característica consistiu em
contrabalançar o crescimento quase igual do poder aquisitivo dos assalariados.
Isso nos remete à questão do modo de
regulação característico do fordismo. Enquanto no capitalismo clássico do final
do século XX o que prevalecia eram os ajustes concorrenciais, no fordismo o que
se constata é a chamada regulação monopolista dos salários, onde através das
convenções coletivas nos setores líderes, da fixação por parte do Estado, de um
salário-mínimo, além de uma garantia de rendimentos mínimos através do
Estado-providência, é possível que a elevação da produtividade se reflita na
elevação do poder aquisitivo dos trabalhadores. “Sob o fordismo, portanto, a
lei geral da estrutura de evolução salário direto é: crescimento do salário =
crescimento dos preços + crescimento da produtividade geral”.
É preciso ainda destacar no fordismo o
papel do Estado. Além de sua capacidade de interferir sobre a distribuição de
renda pela fixação do salário-mínimo, pela tributação e pela distribuição de
benefícios sociais, o Estado, ao regular a criação da moeda de crédito, pode
antevalidar os valores em processo, evitando assim as crises de realização da
produção.
Se as crises anteriores do capitalismo
surgiram como crises de superprodução, a crise do fordismo aparece em primeiro
lugar como crise de lucratividade.
A principal razão desta crise que tem
início nos anos 1960 está na desaceleração geral de ganhos de produtividade. A
partir de um certo momento, os ganhos de produtividade já não compensam o
aumento da composição técnica do capital, rebaixando sistematicamente a taxa
média de lucro.
Podemos constatar a queda ocorrida nos
ganhos de produtividade entre os anos 1960 e os 1970 nas principais economias
do ocidente (vide tabela).
As raízes desta crise estão nos próprios
princípios tayloristas, nos quais se baseia o regime fordista. Ao expropriar o
trabalhador da iniciativa do trabalho e ao concentrar a luta pela produtividade
nas mãos dos engenheiros e técnicos de Organização e Métodos, alienando o
coletivo de trabalhadores da luta pela produtividade, o aumento desta só pode
ser alcançado pelo desenvolvimento de máquinas cada vez mais complexas,
operadas por trabalhadores cada vez mais desqualificados, o que leva
naturalmente a um aumento cada vez maior da taxa de capital fixo per capita,
que a partir de um determinado momento, como foi dito acima, já não é compensado
pelo aumento da produtividade geral do trabalho, levando naturalmente a uma
crise de rentabilidade.
De crise latente no início da década de
1960, a crise explode de maneira aberta nos anos 1970 com o primeiro choque do
petróleo em 1973.
O aumento de preços do petróleo
pressiona ainda mais a rentabilidade das empresas, acirrando a disputa pela
redistribuição da riqueza produzida. As consequências imediatas foram a
aceleração inflacionária e a tentativa de patrões e governo de arrochar os
salários e restringir o crédito, procurando assim impor uma queda do poder
aquisitivo dos assalariados.
Uma nova divisão de trabalho por
nível de qualificação dentro do mesmo ramo industrial
Diante da crise de rentabilidade que
começou a afetar o fordismo no início da década de 1960, a resposta dos
empresários foi num primeiro momento a internacionalização da produção. Esse
movimento decorrente da própria lógica do fordismo visava à busca de ganhos de
produtividade através da ampliação da escala de produção e da procura de
regiões com taxas de salários mais baixos. Esse movimento só foi possível
porque o fordismo, do ponto de vista do processo de trabalho, permite uma
segmentação do processo produtivo em diversos níveis de atividade.
É possível, assim, isolar as atividades
de concepção e projeto, de um lado, a fabricação qualificada que exige
mão-de-obra qualificada, de outro, e a execução e montagem desqualificadas, que
não exigem nenhuma qualificação da mão-de-obra, num terceiro nível. Desta
forma, à antiga divisão internacional do trabalho entre setores primário e
secundário se sobrepõe uma nova divisão entre níveis de qualificação dentro de
um mesmo ramo industrial.
Do ponto de vista dos países
periféricos, esse movimento foi chamado de “mudança do conteúdo das exportações”.
Esta estratégia de mudança do conteúdo das exportações, por sua vez, dependendo
da forma como se articula com o próprio regime de acumulação local e com o
regime de acumulação central, pode seguir duas diferentes lógicas: “a
taylorização primitiva” e o “fordismo periférico”.
Por “taylorização primitiva” entende-se
o simples deslocamento para a periferia de estações de trabalho parcelizadas e
repetitivas, intensivas na utilização da mão-de-obra e em geral com baixo
conteúdo de capital fixo. “Esta lógica visa a extorquir a mais-valia máxima da
mão-de-obra que ninguém está preocupado em reproduzir regularmente”.
O exemplo clássico de “taylorização
primitiva” era as zonas de exportação que foram montadas no Leste asiático,
para montagem de produtos eletrônicos de consumo popular, que utilizavam
mão-de-obra semi-escrava, principalmente feminina.
Quanto ao “fordismo periférico”, o seu
surgimento está condicionado à existência de um mercado interno capaz de
absorver pelo menos parte da produção. Isso pressupõe a existência de um certo
nível de capital local autônomo, de classes médias urbanas abundantes e de uma
classe operária com certo nível de consciência. Nesta categoria poderíamos incluir os chamados
“novos países em industrialização” (NPIs), como Coréia do Sul, Taiwan, Brasil,
México, Espanha, Portugal. A qualificação de periférico decorre do fato de os
níveis de trabalho correspondentes às fases de produção qualificada e
principalmente de engenharia permanecerem em grande medida exteriores a estes
países.
É preciso lembrar ainda que o fato de o
modelo fordista se desenvolver em certos países periféricos, não implica dizer
que os outros regimes de acumulação ali vigentes simplesmente desapareceram. É
perfeitamente possível a convivência de um modelo fordista (periférico) baseado
em classes médias urbanas e num setor operário mais consciente e organizado,
com outros regimes de acumulação cuja base principal seja, por exemplo, o
latifúndio, ou que se apoie simplesmente na super-exploração de uma classe
operária desorganizada e desqualificada. É preciso, portanto, ter cuidado de
não nos tornarmos escravos de determinados conceitos, fazendo com que eles de
instrumentos para explicar certas realidades passem a funcionar como geradores
da própria realidade, realidade esta, porém, que precede o conceito e que,
portanto não é determinada por ele.
A pergunta que se faz agora é a
seguinte: diante da crise de rentabilidade do fordismo nos países centrais, a
que nos referimos anteriormente, foi a internacionalização da produção uma
solução efetiva? A resposta parece ser negativa, pois, de um lado, esse
processo de internacionalização, que visava a resolver os problemas da
rentabilidade, através da redução do custo da mão-de-obra e da ampliação da
escala de produção, num primeiro momento parece ter dado uma resposta
satisfatória aos problemas enfrentados por este modelo de desenvolvimento; de
outro, essa solução fez com que o problema surgisse pelo lado da demanda, do
consumo. Esse processo de internacionalização da produção, principalmente
através da “taylorização primitiva” na periferia, levou a que se diminuíssem os
números dos postos de trabalho no centro, que se estagnassem os salários,
levando consequentemente a uma crise de consumo no centro, que não foi nem de
longe compensada pelo aumento do consumo na periferia. Desta maneira, a crise
surge outra vez, agora levada pelo colapso da demanda.
O crescimento industrial mundial, que ao
longo dos anos 1960 variava entre 6 e 7% ao ano, despencou nos anos 1970 para
uma taxa média de 2,5% ao ano. Essa ruptura é primeiro observada nos Estados
Unidos, difundindo-se depois para a Europa.
É interessante notar que as análises
tradicionais deste fenômeno têm como ponto de partida o nosso ponto de chegada.
Isto é, consideram que a causa principal da crise do fordismo esteja no colapso
da demanda, principalmente de bens de consumo duráveis. E atribuem esse colapso
não à estagnação dos rendimentos e à diminuição do emprego nesses países, mas a
um esgotamento de um determinado padrão de consumo. Essa visão parcial da
realidade leva à não compreensão da exata natureza do processo de
reestruturação industrial ora em curso nos países industrializados. Tal
processo, como veremos a seguir, é conservador e excludente, não só em relação
aos países periféricos, como dentro dos próprios regimes centrais de
acumulação.
Reestruturação da indústria na
seleta comunidade dos países ricos e desenvolvidos
Analisamos a crise do fordismo e
constatamos que em sua base estava o enfraquecimento da produtividade, por um
lado, e o crescente aumento da composição orgânica do capital, por outro,
levando a uma diminuição constante da taxa média do lucro e, consequentemente,
à crise de rentabilidade do sistema como um todo.
Vimos também que a resposta das empresas
e essa crise de rentabilidade foi a internacionalização da produção, buscando
relações salariais mais vantajosas e ampliação da escala de produção.
Vimos, ainda, como essa política, ao
diminuir os empregos e estagnar os salários no centro, levou a uma crise de subconsumo
nos países desenvolvidos.
Antes, porém, de analisarmos como o
capitalismo respondeu a essa situação, é preciso distinguir três diferentes
configurações dessa crise.
Na primeira fase da crise, que vai do
primeiro choque do petróleo em 1973 até o final do governo Carter, em 1979,
podemos dizer que houve uma administração social-democrata da crise. Como já
observamos anteriormente, o primeiro choque do petróleo detonou a crise latente
do fordismo que se desenvolveu nos anos 1960. O brutal aumento de preços
recrudesceu o problema da rentabilidade das empresas. A resposta dada pelo
governo americano foi a concessão de crédito fácil às empresas, via emissão de
dólares, procurando diluir o impacto deste aumento, já que os preços do
petróleo eram fixados em dólares. Através deste “laxismo monetário”, o governo
americano esperava diluir o choque petrolífero, evitando assim qualquer ajuste
estrutural mais sério na economia.
Essa política, porém, gerou suas
próprias contradições: o dólar se desvalorizou e aumentou a inflação mundial.
Isso levou a um aumento do custo de capital e consequentemente à diminuição do
investimento e da criação de empregos. Isso, por sua vez, se refletia na queda
da rentabilidade global das empresas dado que não crescendo o número de empregos
e sendo crescentes os custos do Estado-providência, devido ao aumento da
inflação, os encargos sociais por ativo naturalmente aumentavam para as
empresas. É neste ponto que ocorrem os deslocamentos das empresas ao Terceiro
Mundo em busca de relações salariais mais vantajosas e de novas fontes de
produtividade nos processos produtivos.
Podemos identificar uma segunda fase da
crise, (1979-81), que corresponde ao segundo choque do petróleo e à
implementação da política monetarista do final do governo Carter e início do
governo Reagan. A lógica da política monetarista era rasgar as redes de
segurança propiciada pela política social-democrata ao fordismo, principalmente
através do sistema de crédito. Baseou-se em uma política monetária rígida, que
restringiu o crédito e aumentou o custo do dinheiro.
Se o problema, contudo, era a
rentabilidade das empresas, como recuperá-la através da restrição ao crédito,
se isso em última instância levaria à queda da demanda final?
Corte dos impostos dos ricos e
redução de gastos sociais com a camada mais pobre
É aí que surge a terceira configuração,
correspondente ao período Reagan. A “reagononics”. Sua lógica era aumentar o
consumo através da diminuição dos impostos. Trata-se, no entanto, de uma lógica
perversa, na medida em que beneficia, de um lado, os que pagam impostos, isto
é, a camada mais rica da população, e, de outro, pelo corte dos gastos sociais
decorrente da diminuição de impostos, prejudica ainda mais as camadas mais
pobres. Era uma espécie de new deal invertido.
Esta parece ser a lógica econômica dessa
nova configuração do capitalismo mundial: buscar a recuperação da rentabilidade
no sentido oposto ao do fordismo. Enquanto este garantia a reprodução do
sistema capitalista, na base do consumo de massa, a nova configuração do
capitalismo mundial se baseia num modelo cada vez mais excludente e
concentrador de renda. Mas, assim como ao modelo fordista de desenvolvimento
correspondia a um determinado modelo de industrialização, a esse novo modelo
deve necessariamente corresponder um novo paradigma industrial, cujas
principais características descrevemos a seguir.
Enquanto no modelo fordista a produção
de massa é ao mesmo tempo uma necessidade micro e macroeconômica, dado que “a
rentabilidade de grandes conjuntos mecânicos rígidos requer uma produção
contínua em longas séries do mesmo produto, e, portanto, um mercado de massa”,
o novo paradigma industrial, baseado na “automação flexível”, convive com a
produção de pequenas séries destinadas a mercados menores e segmentados.
O aspecto característico do novo
paradigma industrial pós-fordista é “a invasão do microprocessador e das
interfaces eletrônicas não somente em novos produtos, mas também no próprio
processo de trabalho”. Esse fato permite uma flexibilidade maior do processo
produtivo. Um mesmo tipo de equipamento pode ser adaptado rapidamente para
diferentes séries de produtos. Dissocia-se desta forma o ciclo de vida do
produto do ciclo de vida do equipamento. O novo paradigma possibilita, assim,
garantir todas as vantagens das economias de escala possibilitadas pelas longas
séries de produção, só que agora em pequenas séries e destinadas a mercados
mais restritos e exclusivos, em função da maior flexibilidade dos equipamentos
propiciada pelos avanços da microeletrônica.
É evidente, portanto, que, de um lado, o
novo paradigma industrial resolve um aspecto da crise, o da estagnação da
demanda. A criação de novos produtos, mais sofisticados, destinados a mercados
mais restritos, dá um novo alento ao consumo. Para as empresas, isto é o que
realmente interessa, dado que para elas pouco importa estar vendendo em mesmo
produto para muita gente. Por outro lado, porém, a crise se torna mais aguda,
pois polariza, de um lado, um mercado consumidor cada vez mais restrito e sofisticado
e, de outro, uma massa de pobres, cujo poder de consumir se reduz cada vez
mais. Esse parece ser um traço característico do capitalismo atual, não só na
periferia do mundo, como nos próprios países centrais, particularmente nos
Estados Unidos.
O Japão conquistou mercados dos outros e
aumentou a produção evitando o desemprego
Uma prova disso é a diminuição de empregos nesse novo período. De acordo com Christian Stoffaes, professor da Harvard University, “a maior parte das indústrias manufatureiras verá a diminuição de seu número de empregos de dois terços, talvez mais, quando passar a utilizar os últimos progressos da robótica, da concepção assistida por computador, das oficinas flexíveis, do recorte por laser, da gestão informatizada. Na França, se a siderurgia aproveitasse as últimas tecnologias conhecidas, deveria produzir a mesma tonelagem de hoje com 30 mil empregos em vez de 80 mil em 1986 ou 160 mil dez anos atrás. A indústria têxtil-vestuário poderia se contentar com 150 mil empregos em vez de 400 mil em 1986 e 800 mil quinze anos atrás; a indústria automobilística, com 100 mil em vez de 250 mil; a construção mecânica, com 250 mil em vez de 500 mil etc”. O setor de serviços, que teoricamente poderia absorver a parcela de mão-de-obra liberada pela indústria, também se vê às voltas com o mesmo tipo de problema. “Os grandes setores de serviços provedores de empregos estão agora atacados pela estagnação de sua produção e pela informatização acelerada dos escritórios: os bancos, os seguros, a distribuição, os transportes, que vêm criando uma quantidade enorme de empregos há trinta anos, quase não os criam mais agora e até anunciam compreensões de efetivos no futuro”.
Uma prova disso é a diminuição de empregos nesse novo período. De acordo com Christian Stoffaes, professor da Harvard University, “a maior parte das indústrias manufatureiras verá a diminuição de seu número de empregos de dois terços, talvez mais, quando passar a utilizar os últimos progressos da robótica, da concepção assistida por computador, das oficinas flexíveis, do recorte por laser, da gestão informatizada. Na França, se a siderurgia aproveitasse as últimas tecnologias conhecidas, deveria produzir a mesma tonelagem de hoje com 30 mil empregos em vez de 80 mil em 1986 ou 160 mil dez anos atrás. A indústria têxtil-vestuário poderia se contentar com 150 mil empregos em vez de 400 mil em 1986 e 800 mil quinze anos atrás; a indústria automobilística, com 100 mil em vez de 250 mil; a construção mecânica, com 250 mil em vez de 500 mil etc”. O setor de serviços, que teoricamente poderia absorver a parcela de mão-de-obra liberada pela indústria, também se vê às voltas com o mesmo tipo de problema. “Os grandes setores de serviços provedores de empregos estão agora atacados pela estagnação de sua produção e pela informatização acelerada dos escritórios: os bancos, os seguros, a distribuição, os transportes, que vêm criando uma quantidade enorme de empregos há trinta anos, quase não os criam mais agora e até anunciam compreensões de efetivos no futuro”.
Este é um aspecto normalmente pouco
lembrado de Reestruturação Industrial e diz respeito a quem efetivamente pagou
as contas deste processo de ajuste. Maria da Conceição Tavares assim resume
esta questão: “Em termos de custos sociais internos, com exceção dos centros
asiáticos, a maioria dos países desenvolvidos fez os sindicatos pagarem o
ajuste (Inglaterra, Estados Unidos, Itália e Espanha são os casos mais
notórios) e de um modo geral reduzindo o emprego da força de trabalho”.
Um outro aspecto
que precisamos considerar é que este processo de reestruturação industrial dos
países desenvolvidos alterou a sua posição relativa na arena internacional.
Como vimos, o fator determinante desse
processo foi, num primeiro momento, a queda da rentabilidade das empresas
decorrente da redução dos ganhos de produtividade vis a vis o crescimento do
capital fixo e, num segundo momento, a estagnação do consumo nesses países,
decorrente do processo de internacionalização da produção e da consequente
estagnação dos seus salários.
Vimos, também, que a crise latente do
fordismo durante a década de 1960 estourou com o primeiro choque do petróleo em
1973, pressionando ainda mais a rentabilidade das empresas.
Ao analisar as três configurações da
crise, verificamos que na primeira fase, que denominamos de social-democrata, a
política dos Estados Unidos foi, através da emissão de dólares, procurar
contornar os seus efeitos na economia americana, uma vez que os preços do
petróleo eram cotados em dólar. Também que o grau de dependência da economia
americana em relação a produtos importados era muito pequeno, pouco afetando os
seus custos uma eventual desvalorização da sua moeda.
Essa política, porém, teve seus efeitos,
pois enquanto os EUA, através dela, foram postergando os ajustes estruturais de
sua economia, com o Japão ocorreu exatamente o contrário. Diante da valorização
de sua moeda frente ao dólar e de sua extrema vulnerabilidade externa com
relação a materiais estratégicos, o Japão foi forçado, por questão de
sobrevivência, a buscar novas fontes de produtividade. Buscou aumentar a sua
eficiência industrial para poder manter a competitividade internacional de suas
exportações, além, evidentemente, de economizar petróleo.
Desta forma, nesta nova etapa, o Japão
saiu na frente e naturalmente beneficiou-se desta situação. Ao ocupar
crescentes faixas do comércio internacional, ele pôde, por exemplo,
praticamente eliminar o problema do desemprego decorrente da introdução das
novas tecnologias, aumentando seu volume de produção e deslocando seus
concorrentes da Europa e da América em inúmeros mercados.
As consequências da
reestruturação industrial na América Latina e países dependentes
Os Estados Unidos, a Inglaterra, a
França e a Itália, que vieram bem depois nesse processo de reestruturação
industrial, tiveram, como vimos, um alto custo social, principalmente em termos
de desemprego, não só porque as novas tecnologias são poupadoras de
mão-de-obra, mas também porque perderam expressivas faixas de mercado para o
Japão.
Caberia, ainda, uma palavra a respeito
do processo de reestruturação industrial nos EUA, dado que isso tem muito a ver
com a nova configuração da divisão internacional do trabalho. Embora
sabidamente os EUA tenham se retardado no processo de reestruturação
industrial, não podemos considerar como definida a nova configuração mundial
decorrente desse processo, posto que, contraditoriamente, o fluxo de capital
que hoje acorre do Japão e dos outros países capitalistas para os Estados
Unidos está promovendo a reestruturação industrial da economia americana.
Entraremos agora na discussão do último
aspecto que nos propusemos a analisar neste artigo: as prováveis consequências
deste processo de reestruturação industrial dos países da OCDE em nível de
países dependentes, em particular a América Latina. Antes de mais nada é
preciso lembrar que se o processo de reestruturação industrial promovido nos
países desenvolvidos teve um caráter excludente e conservador ao seu nível
interno – com enormes custos sociais, principalmente em termos de desemprego –
o que dizer então dos países periféricos. Assim, Maria da Conceição Tavares se
refere a esse fenômeno: “a difusão do progresso técnico e a distribuição de
seus frutos têm estado restringidos em termos de países, de empresas, e de
pessoas incorporadas; a distribuição dos custos tem sido paga pela crise
financeira dos Estados, pelos sindicatos tradicionais, e pelos países
periféricos. As economias centrais têm guardado para si os avanços científicos
e tecnológicos, os núcleos de expansão e diversificação produtiva, os fluxos de
comércio e de capitais”.
Dieter Ernst, em trabalho que analisa o
papel que desempenha a tecnologia na reestruturação mundial da indústria
manufatureira e do comércio, bem como o seu impacto sobre a competitividade
internacional de um grupo de países com economias de recente industrialização
da América Latina e da Ásia, afirma o seguinte: “se bem as novas tecnologias
tenham um grande potencial, pouco aproveitado ainda, para
abrir novas combinações tecnológicas e aumentar sua produtividade, é um fato
que a maior parte do mundo não tem acesso a opções reais para aumentar sua
produtividade. A menos que suceda algo que permita modificar a referida
tendência, a distância que separa os países ricos dos países pobres tenderá a
aumentar”.
À pergunta de se existe um espaço
suficiente para estabelecer formas viáveis de cooperação tecnológica
internacional que inclua – em vez de excluir – os países em desenvolvimento e
que aproveite os benefícios mútuos que oferece a complementaridade, o referido
autor traça dois cenários: um, que qualifica de pessimista, no qual as
tendências atuais que conduzem a um sistema restrito e excludente se mantêm, e
outro, que qualifica de otimista, no qual o sistema tecnológico internacional
se torna mais aberto e acessível aos países de industrialização tardia.
Entretanto, para que este último pudesse ocorrer, considera necessário
modificar-se substancialmente as políticas governamentais e as estratégias
corporativas dos países desenvolvidos, o que ele mesmo considera bastante
improvável. Ao descrever o cenário pessimista, que seria melhor qualificado se
o chamássemos de realista, o autor considera que, sob condições de competição
oligopolística, os principais atores envolvidos no oligopólio mundial, isto é,
EUA, Japão e Europa, tratarão de erigir barreiras a todo custo para impedir o ingresso
de novos membros nesse clube fechado. Ele considera que os governos dos
principais países membros da OCDE estão se armando com um importante arsenal de
instrumentos de política para pôr em prática uma forma muito agressiva de
“neomercantilismo de alta tecnologia”.
Além disso, as empresas destes países
vêm desenvolvendo uma série de estratégias que visam a fortalecer seu domínio
sobre o conhecimento científico e tecnológico e criar todas as barreiras
possíveis para a aplicação destes conhecimentos. Poderíamos destacar pontos: o
fato de os níveis de investimento para o desenvolvimento de novos produtos
estarem aumentando de forma dramática, o que na prática impede o ingresso de
países de industrialização tardia; grandes conglomerados industriais têm a vantagem
de aproveitar as inter-relações tecnológicas mediante a transferência de
conhecimento de uma atividade para outra; devido aos elevados custos da
atividade de pesquisa e desenvolvimento, as empresas com grande participação no
mercado terão menor custo por unidade, podendo naturalmente fazer maiores
investimentos; restrição do grau de difusão tecnológica mediante estratégias
agressivas de proteção do direito de propriedade intelectual e políticas de
“segredo absoluto”, considerando todos os contatos externos, assim como os
compradores, como um perigo para a propriedade do conhecimento.
Neste particular, é bastante ilustrativa
a pressão que os laboratórios farmacêuticos americanos vêm fazendo através do
governo americano junto ao Brasil para a aprovação da Lei das Patentes.
É provável, portanto, que o sistema
tecnológico internacional se torne mais fechado e menos acessível aos países em
desenvolvimento do que ele é hoje. Como constata Ernst: “Desde o começo da
década de 1980, os principais indicadores do fluxo internacional de tecnologia
– os investimentos estrangeiros diretos, a importação de bens de capital, os
pagamentos de licenças e Know-how, além da assistência técnica oficial –
mostram uma diminuição sem precedentes nos fluxos de tecnologia em direção aos
países em desenvolvimento”.
Concluindo, podemos afirmar que, sendo a
tecnologia o fator mais importante desse processo de reestruturação industrial
dos países desenvolvidos, e dada as dificuldades crescentes de acesso a ela por
parte dos países em desenvolvimento, como vimos acima, é enganosa a ideia de
que a simples abertura das economias latino-americanas à atuação do capital
estrangeiro seja suficiente para garantirmos o nosso acesso a patamares
tecnológicos mais elevados. O processo de reestruturação industrial dos países
latino-americanos só poderá ser obtido através de estratégias que tenham como
centro um esforço próprio de desenvolvimento tecnológico, dado que, sendo a
principal moeda de troca do atual comércio internacional, seu acesso tornar-se-á,
como vimos, cada vez mais difícil.
Finalmente, seria oportuno lembrar as
palavras de Anibal Pinto sobre a questão do papel do Estado nesse processo:
“Seria recair em ilusões do passado supor e agir como se a renovação
tecnológica vá ser fruto principal ou exclusivo das forças espontâneas do
mercado e da iniciativa privada. Se tais meios podem ter sido decisivos em
alguns países pioneiros, eles, como bem se sabe, têm sido bem complementados –
especialmente nos late comers – por políticas e instrumentos públicos do mais
variado caráter, que chegam a seu cume no nível educacional e científico”.