domingo, 17 de junho de 2012

O ESTATUTO DA CIDADE

O ESTATUTO DA CIDADE
Apresentação
O Brasil é um dos países que mais rapidamente se urbanizou em todo o mundo. Em 50 anos nos transformamos de um país rural em um país eminentemente urbano, onde 82% da população moram em cidades. Este processo de transformação do habitat e da sociedade brasileira produziu uma urbanização predatória, desigual e, sobretudo, iníqua. O Estatuto da Cidade representa o encontro do país com sua face urbana, com um futuro que esperamos, irá transformar a herança do passado.
Poucas leis na história nacional foram construídas com tanto esforço coletivo e legitimidade social. Esta é a grande vitória do Estatuto, que, no entanto somente se efetivará na medida em que as forças sociais que o construíram, o torne realidade e façam valer as importantes conquistas nele contidas.
Seus princípios fundamentais: a gestão democrática; a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização; a recuperação dos investimentos do poder público que tenham resultado em valorização de imóveis urbanos e o direito a cidades sustentáveis, à moradia, à infra-estrutura urbana e aos serviços públicos, conferem aos municípios novas possibilidades e oportunidades de gestão e financiamento de seu desenvolvimento.
A SEDU/PR - Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República e a CAIXA - Caixa Econômica Federal, a Câmara de Deputados por meio da CDUI - Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, no exercício de suas missões institucionais, promoverão esforços para, em conjunto, com municípios, estados e demais agentes públicos e privados, programar o Estatuto em sua globalidade, inaugurando um novo marco na administração pública brasileira, de responsabilidades sociais solidárias, na busca e materialização de uma melhor qualidade de vida para as atuais e futuras gerações.

Introdução
A cidade se origina da necessidade de contato, comunicação, organização e troca entre homens e mulheres. Da pólis decorreu a política e, com os pioneiros gregos, nasceu o estreito vínculo entre participação ativa e vida na cidade.
O mundo hoje é urbano, portanto, grande parte de seus habitantes vive em cidades – palcos de lutas em jogos incessantes de variados interesses. Ser cidadão, e morador da cidade, significa ter consciência de diretos, reivindicá-los, e cumprir, com responsabilidade, seus deveres.
A vida em cidades continua a ser um desafio no século que se inicia, pois no jogo urbano quotidiano, conflitantes interesses se apresentam. Qualquer que seja a sua escala, a cidade é uma organização viva, dinâmica, com suas diversificadas partes em permanente interação.
No Brasil, ao longo do século XX, grande número de cidades nasceram, cresceram e se desenvolveram. Foi neste século que o país mais se urbanizou. A evolução do crescimento da população urbana, considerando-se este período, é bastante ilustrativa. É a partir da década de setenta que se inverte, com força, a relação rural-urbana até então vigente.
Hoje, o território nacional abriga 170 milhões de habitantes. Chegamos ao ano 2000 com 137.755.550 brasileiros vivendo em áreas urbanas, o que significa que 81% da população brasileira moram em cidades. Muitas foram as conseqüências deste veloz processo. O fenômeno de urbanização provocou o agravamento do histórico quadro de exclusão social tornando mais evidente a marginalização e a violência urbanas que, atualmente são motivo de grande apreensão, tanto para moradores e usuários, quanto para os governos das cidades.
As já densas e grandes cidades se expandiram formando regiões metropolitanas, com extensas periferias ocupadas por população pobre expulsa das áreas centrais ou atraída de outros pontos do território brasileiro em busca de trabalho, renda e acesso a bens, serviços e equipamentos urbanos. Os moradores das periferias continuam desprovidos de infra-estrutura básica, a cada dia mais distantes dos centros urbanos e ainda têm que enfrentar, em seus obrigatórios deslocamentos para as áreas centrais, o insuficiente e caro sistema de transporte. O que encontramos nas grandes cidades, contudo, podemos observar, de forma semelhante, nas médias e menores. A diferença está na proporção em que as questões, diversificadas e recorrentes, se apresentam, todas demandando complexa solução.
Os problemas urbanos não são novos. Fazem parte do quotidiano de nossas cidades e cada vez mais se avolumam: periferias longínquas e desprovidas de serviços e equipamentos urbanos essenciais; favelas, invasões, vilas e alagados nascem e se expandem; a retenção especulativa de terrenos é constante; o adensamento e a verticalização sem precedentes podem ser verificados com frequência; a poluição de águas, do solo e do ar assume grandes proporções; dentre outros variados e negativos aspectos.
A distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização é historicamente injusta e resultante de décadas de descaso, de incompreensão, de preconceito, e de atuação privilegiada voltada apenas para alguns setores da cidade. O quadro urbano atual se constitui em um dos maiores desafios neste século que se inicia.
Atuações sucessivas, porém pontuais, foram comprovadamente insuficientes para diminuir ou resolver as questões mais agudas da maioria da população brasileira, que é pobre, e se encontra vivendo precariamente em nossas cidades.
Históricas reivindicações populares quanto ao direito de todos os cidadãos à cidade – especialmente articuladas no movimento pela reforma urbana – se apresentaram com força ao longo da elaboração da Constituição Federal de 1988, assumindo destacado papel. Pela primeira vez, é bom frisar, a cidade foi tratada na Constituição Federal, que nasceu com o intuito de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.
No estabelecimento da nova Constituição o país alcançou, também, um novo e promissor patamar com a incorporação, na lei fundamental, da participação popular nas decisões de interesse público. Este direito vem aos poucos sendo incorporado pelo poder público para levar adiante suas ações. A inclusão dos artigos 182 e 183, compondo o capítulo da Política Urbana foi uma vitória da ativa participação de entidades civis e de movimentos sociais em defesa do direito à cidade, à habitação, ao acesso a melhores serviços públicos e, por decorrência, a oportunidades de vida urbana digna para todos.
Durante onze anos de tramitação legislativa, muitos foram os embates onde se explicitaram os conflitos entre inúmeros e diversificados interesses em jogo sobre o futuro destino de nossas cidades. A construção do Estatuto da Cidade foi longa e difícil, entretanto, nele estão garantidos princípios há muito desejados.
O Estatuto da Cidade reúne importantes instrumentos urbanísticos, tributários e jurídicos que podem garantir efetividade ao Plano Diretor, responsável pelo estabelecimento da política urbana na esfera municipal e pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, como preconiza o artigo 182.
A aprovação do Estatuto da Cidade é muito recente, entretanto, os sinais são claros de que a lei veio para possibilitar a revisão de antigos comportamentos, há muito arraigados. Na esfera municipal, o poder público sempre teve privilegiado e destacado papel. Hoje, contudo, ele assume função de protagonista ao ser o principal responsável pela formulação, implementação e avaliação permanentes de sua política urbana, estabelecida no Plano Diretor, visando garantir, a todos, o direito à cidade e a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização.
Novos ares, novos instrumentos e muito trabalho pela frente se apresentam para todos os cidadãos e cidadãs brasileiras. Consensos entre os agentes responsáveis pelo desenvolvimento urbano – população, governo e empresariado – foram buscados e gradativamente se firmam. A sociedade, a partir da nova lei, está convocada a examinar com atenção suas práticas e, ao revê-las, consagrar renovados comportamentos e ações. Ao viver e participar ativamente do que exigiu constar em lei, aprovada por seus representantes, estará avaliando continuamente sua aplicação para reforçar suas virtudes e corrigir os possíveis defeitos da legislação ora estabelecida. O processo é permanente, em especial por se tratar de instrumentos que a lei prevê serem aplicados em cidades, organismos dinâmicos por excelência.
O Estatuto da Cidade é, nesse momento, a esperança de mudança positiva no cenário urbano, pois reforça a atuação do poder público local com poderosos instrumentos que, se utilizados com responsabilidade, permitem ações consequentes para a solução ou minimização dos graves problemas observados nas cidades brasileiras. A lei sozinha, é claro, não resolverá os históricos problemas urbanos. Contudo, com a nova legislação, os Municípios têm a oportunidade de cumprir da melhor maneira, e ativamente, seu papel de sujeitos, responsáveis que são pela formulação, implementação e avaliação da política urbana, permitindo que,
de fato, todos os moradores de nossas cidades participem do processo e sejam os beneficiários de suas justas ações.
O presente trabalho apresenta os principais conceitos e as inovações presentes na Lei no 10.257/2001 – Estatuto da Cidade e está organizado em cinco partes.
Na primeira são abordadas as diretrizes gerais do Estatuto, apresentando as metas que se desejam ver atendidas e que envolvem todas as esferas do poder público – municipal, estadual e federal. Na segunda se aborda a gestão democrática nas cidades, importante conquista dos movimentos populares, hoje gravada em lei. A seguir o plano diretor é apresentado, enfatizando seu papel como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, as suas recentes características e as possibilidades para atuação na esfera local. Na quarta parte se encontram os instrumentos previstos para se alcançar os importantes princípios de função social da propriedade, de justa distribuição dos benefícios e dos ônus decorrentes da urbanização e a primazia do interesse público nas ações relativas à Política Urbana.
Por fim, em anexo, se encontram, na íntegra, o texto do capítulo constitucional relativo à Política Urbana (artigos 182 e 183) e o Estatuto da Cidade, bem como as razões que levaram ao veto de determinados artigos propostos.

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